MP altera a Lei das S.A. e amplia prazos para empresas durante pandemia

O governo atendeu ao apelo de empresas e adiou o prazo para a realização das assembleias gerais ordinárias (AGOs) anuais para sete meses a partir do término de seu exercício social, ou seja, até julho para a maior parte das empresas. A realização das assembleias passou a preocupar diante da recomendação de isolamento social para conter a disseminação da pandemia da covid-19. As reuniões presenciais de acionistas pressupõem aglomerações. 

A Medida Provisória 931, que altera a Lei das S.A., diz que o conselho de administração ou a diretoria poderão deliberar sobre dividendos até que a assembleia seja realizada, prorroga os mandatos dos conselheiros até a primeira assembleia ou até que haja reunião do board e fala na possibilidade de assembleia digital.

Desde a semana passada era aguardada a publicação da MP, que deixou o mercado apreensivo ao longo de toda a segunda-feira, véspera do vencimento do prazo para entrega de documentos e da proposta da administração para as assembleias. 

Está previsto na MP ainda que, por motivo de força maior, as assembleias possam ser realizadas em local distinto do edifício-sede das companhias, desde que no mesmo município. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entretanto, poderá criar exceções a essa regra e autorizar as sociedades anônimas de capital aberto a realizar assembleias digitais, confirmando a versão da MP antecipada pelo Estadão/Broadcast.

O texto destaca que nas companhias abertas, o acionista poderá participar e votar a distância em assembleia geral, como disposto na regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários. No caso das companhias fechadas, isso dependerá da regulamentação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) do Ministério da Economia.

Também foi confirmado na versão final que frente à imprevisibilidade sobre a duração da crise do coronavírus, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ganha uma espécie de carta branca, excepcionalmente em 2020, para prorrogar de forma temporária os prazos fixados na Lei das S.A. para as companhias abertas.

O órgão regulador do mercado de capitais já divulgou há pouco uma deliberação com alguns desses novos prazos, dando mais dois meses, até maio, para a entrega de demonstrações financeiras para quem terminou o ano financeiro em 31 de dezembro passado. A CVM também diz que vai priorizar a regulamentação das assembleias inteiramente digitais.

O texto da MP 931 foi costurado pela CVM e o ministério da Economia, com sugestões de entidades como a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), a Anbima e o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibrancon).

Além da Lei das 6404/76 (a Lei das S.A.), a MP 931 altera dispositivos da Lei 10.406/2002 (Código Civil) e a Lei 5.764/71. As cooperativas e sociedades limitadas também são tratadas na MP, que igualmente estende o prazo para a realização de suas assembleias no prazo de sete meses contados do fim de seu exercício social.

Repercussão

Para especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, a MP 931 trouxe alívio ao mercado. A iniciativa dá mais tempo para as empresas refletirem, nos documentos a serem analisados nessas reuniões, os impactos que a pandemia do coronavírus trará às suas operações.

Ainda que considerada “em cima do laço”, a medida também evita sanções, já que a Instrução 480 da CVM classifica como infração grave a não observância do prazo de realização da assembleia.

De acordo com a Lei das S.A., as sociedades anônimas têm até quatro meses após o exercício social para realizar sua assembleia geral ordinária (AGO), o que para a maioria acontece em 30 de abril. A MP prorroga esse prazo, excepcionalmente, para sete meses após o fim do exercício. Assim, a grande maioria das companhias poderá executar as reuniões até julho.

“De um modo geral as companhias estavam em compasso de espera. Essa prorrogação da data-limite das assembleias, ao flexibilizar em caráter excepcional o cumprimento de certos deveres societários, permite que possam se preparar melhor para a safra de assembleias de 2020”, diz André Vasconcellos, diretor técnico do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri).

Para Raphael Martins, sócio do Faoro & Fucci Advogados, o efeito mais importante da postergação do prazo de realização das assembleias é que isso permitirá às companhias rever suas propostas de pagamento de dividendos, adequando-as à nova realidade econômica trazida pelo coronavírus.

Segundo Marcus Vinicius Bitencourt, sócio do Campos Mello Advogados, a MP dá fôlego e aumenta as chances de os acionistas receberem dividendos razoáveis em 2020. Caso as assembleias fossem mantidas para abril, em meio à incerteza máxima quanto aos efeitos da pandemia no caixa das empresas, a tendência seria de propostas de remuneração conservadoras, com o intuito de criar reservas para os impactos da crise.

“Quando você tem uma pandemia, o retrato do exercício anterior (2019) pode ter ficado lindo e a companhia ter capacidade para distribuir bons dividendos. No entanto, com a pandemia, se a empresa está em um setor como o varejo, por exemplo, com consumo parado, receita em queda e folha salarial pesada, vai segurar a distribuição de dividendos”, comenta.

Outro reflexo importante se refere ao valor recuperável de ativos. Em ofício orientando as companhias abertas sobre como agir em tempos de coronavírus, a CVM afirmou que elas devem dar especial atenção a eventos econômicos que tenham relação com a continuidade dos negócios ou às estimativas contábeis levadas a efeito.

O especialista em governança corporativa e ex-diretor da Previ, Renato Chaves, destaca que, com o prazo original para depositar as demonstrações financeiras era até esta terça-feira, as empresas vinham adotando notas explicativas de evento subsequente (coronavírus) e informando ainda não ter capacidade de mensurar seus impactos.

Até julho, entretanto, ele acredita que será possível prestar uma informação mais detalhada antes de os acionistas votarem a aprovação das contas nas AGOs. “Os testes de impairment (de valor recuperável de ativos) têm que ser feitos uma vez ao ano. Entendo que esse teste terá que ser refeito  até julho. O cenário mudou, o custo de captação das empresas mudou com a pandemia”, diz Chaves.

Os advogados e analistas também acreditam que a crise do coronavírus abre espaço para a maturação do uso de mecanismos remotos nas reuniões de acionistas. “Vejo que se abre uma oportunidade em meio ao caos. As empresas vão sair da inoperância nessa questão digital. Hoje o voto eletrônico é uma piada no Brasil”, diz Chaves.

Para Bitencourt, também se criou a possibilidade de realizar as reuniões de acionistas em locais alternativos e arejados, já que a MP institui que em casos de força maior poderá ser autorizada a AGO em local distinto do edifício sede da companhia.

 “Um cliente optou por fazer a assembleia até 30 de abril. A companhia tem um pátio aberto e sugeri que monte uma estrutura ao ar livre, com máscara, álcool gel e distanciamento entre as pessoas”, relata.

Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo