A subordinação jurídica e o vínculo de emprego
Pedro Paulo Teixeira Manus
Ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, professor e diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP.
Ela afirmou que ainda não chegou ao TST nenhum recurso relativo à discussão sobre demissão por justa causa dos funcionários que recusam a imunização, mas lembrou as orientações que vieram do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a compulsoriedade da vacinação contra a Covid-19 e da decisão do ministro Luís Roberto Barroso que suspendeu uma portaria do governo federal contra a exigência do comprovante. “Por isso que nós não temos dúvidas sobre a diretriz”, afirmou.
Dispõe o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho que é requisito para a configuração da condição de empregado o trabalho se desenvolver sob a dependência do empregador. A questão que se coloca é saber qual o exato significado da expressão dependência, além de saber se se trata de requisito essencial para a caracterização do contrato individual de trabalho.
O que observamos é que a cada dia que passa mais se verificam esforços no sentido de alargar o conceito de subordinação do empregado ao empregador, com o objetivo de ver reconhecida a existência de contrato de trabalho, além de buscar diminuir a importância desse requisito essencial à configuração do vínculo de emprego.
Assim, criou-se a figura da subordinação estrutural, segundo a qual a circunstância do trabalho prestado inserir-se na atividade empresarial, como fator importante para o sucesso do empreendimento, já configuraria o vínculo de emprego, ainda que inexistente a subornação hierárquica.
Não é esse, todavia, o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho a respeito do tema, como vemos do recente acórdão proferido pela 2ª Turma Julgadora, da relatoria da ministra Maria Helena Mallmann, como segue:
“PROCESSO Nº TST-RR-1893-51.2017.5.10.0802 RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI N.º 13.015/2014. CONTRATO DE PARCERIA PARA CESSÃO DE USO DE TÁXI. LEI Nº 6.094/74. VÍNCULO DE EMPREGO. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO À LUZ DO ART. 3º DA CLT. O Tribunal Regional reformou a sentença para reconhecer a existência de vínculo de emprego entre as partes. Contudo, depreende-se do consignado no acórdão que a situação dos autos trata de contrato de parceria entre as partes, previsto na Lei 6.094/74, para a utilização do táxi, em regime de colaboração, em que, embora presente subordinação estrutural, não se verifica, no caso, a existência do requisito da subordinação jurídica, à luz do artigo 3º da CLT, a possibilitar o reconhecimento de vínculo de emprego. A subordinação estrutural não é critério de distinção, para a configuração da subordinação jurídica. Recurso de revista da parte reclamada conhecido e provido”.
Para a melhor compreensão do tema convém reproduzir o fundamento pelo qual a decisão regional reformou a decisão do primeiro grau, reconhecendo o vínculo de emprego: “Não bastasse, há de se reconhecer a existência do liame de emprego na forma estrutural. Em face da atual organização das relações de trabalho, é desnecessário que o empregado receba ordens diretas ou tenha seu trabalho diretamente fiscalizado pelo empregador para que fique caracterizada a subordinação. A inserção do obreiro na dinâmica estrutural da empresa é, por si só, suficiente a indicar a submissão ao empregador. No presente caso, está evidente que a atividade do autor estava ligada à estrutura e ao núcleo da dinâmica empresarial da acionada”.
A decisão da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho é exatamente em sentido contrário à decisão recorrida regional, na esteira do entendimento firmado pela corte superior, como se vê:
“Da narrativa do acórdão, depreende-se que presente subordinação estrutural, no entanto, não evidenciada, no caso, a existência do requisito da subordinação jurídica, à luz do art. 3º da CLT, a possibilitar o reconhecimento de vínculo de emprego.
Cito precedente julgado em 14.10.2021, pela SDI-I desta Corte — processo E-AgRR-1620-65.2011.5.6.0003, no qual foi firmado entendimento de que a subordinação estrutural não é critério de distinção, para a configuração da subordinação jurídica. Registro que o fato de o reclamante ter um parâmetro de horário para entrega do veículo, não implica na existência de controle de horário, tampouco o fato de o reclamado arcar com despesas como IPVA, revisão, seguro, caracteriza subordinação jurídica, impondo-se destacar que o reclamante também contribuía com parte dos gastos com veículo, como desgaste de pneus, combustível, óleo, lavagem. Assim, não evidenciada a subordinação jurídica, fica afastada a caracterização de vínculo empregatício. Do acórdão recorrido, se conclui que havia entre as partes, contrato de parceria, no qual era cedida ao reclamante a utilização do veículo por um período e que este auferia parte do lucro líquido, se enquadrando na hipótese do artigo 1º da Lei 6.094/74.
ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista da parte reclamada, por violação ao artigo 3º da CLT, e, no mérito, dar-lhe provimento para reformar o acórdão, afastando o reconhecimento de vínculo de emprego entre as partes e restabelecendo a sentença que julgou improcedentes os pedidos da inicial. Invertido o ônus da sucumbência ao reclamante, dispensado do pagamento das custas, por lhe terem sido deferidos os benefícios da justiça gratuita. Brasília, 27 de outubro de 2021. MARIA HELENA MALLMANN” (grifo do autor).
Como se verifica da posição firmada pelo Tribunal Superior do Trabalho, por sua Subseção I de Dissídios Individuais, a subordinação estrutural não constitui requisito que possa configurar o contrato de trabalho.
Isso porque é a subordinação hierárquica que define o vínculo de emprego. Com efeito, não é a entrega do produto pelo prestador de serviços e sua apropriação pelo tomador desses serviços que determina a existência de contrato de trabalho, e, sim, a forma pela qual o serviço é prestado, que obrigatoriamente deve revelar a subordinação hierárquica.
Nos tempos atuais, há um esforço para tentar configurar o contrato de trabalho sempre que há prestação de serviços por pessoa física, pois só essa situação é que propicia condições razoáveis de vida e de remuneração. Assim, omitindo-se o Estado da proteção ao trabalhador não empregado, garantindo-lhe uma vida digna, resulta a tentativa de considerar todo prestador como empregado, ao arrepio da regra legal.