Bens trazidos à colação não respondem pelas dívidas do falecido

Ao realizar pesquisa rotineira de jurisprudência, me deparei com um acórdão do Superior Tribunal de Justiça, relativamente recente, versando sobre a responsabilidade patrimonial dos herdeiros, por débitos fiscais do falecido, constituídos antes do óbito.

A decisão, na verdade, invocava um outro precedente de 2009, do próprio STJ, no sentido de que os bens transmitidos, em antecipação de legítima, por meio de doação em vida do ascendente ao descendente, estariam incluídos no conceito de herança e, por essa razão, quando trazidos à colação, responderiam pelas dívidas do de cujus, ainda que anteriores ao nascimento da obrigação tributária (fato gerador) ou da constituição do crédito tributário.

Fui tomado de espanto, até pela admiração que nutro por grande parte das teses adotadas no Tribunal da Cidadania, muito embora se tratasse de matéria tributária e nenhum dos dois julgados proviesse da 2ª Seção, diante do equívoco na fundamentação invocada e da violação de regras centenárias da sucessão hereditária. E, mais ainda, porque localizei, em tribunais estaduais e federais, um ou outro julgamento semelhante.

Os arestos em questão, quando imputam responsabilidade patrimonial aos herdeiros donatários, nos limites das colações a que estão compelidos, não obstante partam de premissas verdadeiras, chegam a conclusões falsas. E o fazem porque se equivocam nos axiomas. Aparentam construir um silogismo, seguindo as regras da lógica dedutiva (silogismo aparente), mas o resultado é um sofisma. A maior parte dessas decisões invoca duas premissas que são corretas, mas que deságuam em uma terceira, incorreta. A primeira: a responsabilidade dos sucessores, pelas dívidas do falecido, está limitada ao valor dos bens herdados e os credores só se podem pagar com os bens hereditários (ver artigos 1.792 e 1.997 do CC/2002).

A segunda: os herdeiros receberam, em vida do devedor, antecipação do que lhes caberia em herança. Mas a conclusão (terceira), de que a doação anterior, feita a herdeiro necessário, está incluída no conceito de herança, de modo que o bem deve responder pelas dívidas do de cujus, independentemente de demonstração de fraude à execução, é falsa. Os bens recebidos em antecipação da herança necessária (legítima), nos moldes do artigo 544 do CC, quando “conferidos” pelo herdeiro após a abertura da sucessão, NÃO RESPONDEM pelos débitos do falecido.

A distorção, que transforma o silogismo em sofisma, se localiza na segunda premissa. Isso porque as doações do ascendente ao descendente, ainda que feitas em antecipação do que lhe tocará no futuro quinhão legitimário, não integram o acervo hereditário (“herança”), para fins de imputação de responsabilidade patrimonial aos herdeiros.

— Conjur