A reforma tributária exige revisão imediata dos contratos

A Emenda Constitucional 132/2023 inaugurou a mais ampla reforma tributária sobre o consumo das últimas décadas. A Lei Complementar 214/2025 começou a detalhar a estrutura dos novos tributos e o período de transição. Para o setor privado, o impacto vai além do departamento fiscal, alcançando a lógica econômica dos contratos, especialmente os de longa duração, firmados sob as regras atuais e cujos efeitos se estendem pelos próximos anos.

Impactos imediatos nos contratos empresariais

Contratos foram precificados, negociados e executados em um ambiente de cumulatividade, regimes especiais, benefícios setoriais e obrigações acessórias fragmentadas entre tributos como ICMS, ISS, PIS e Cofins.

A migração para um sistema de IVA, com não cumulatividade plena e novas regras de crédito e apropriação, altera a base econômica dessas avenças. Em muitos casos, o que antes era custo embutido poderá tornar-se crédito recuperável; em outros, benefícios regionais ou setoriais deixarão de existir. O resultado prático é claro: o equilíbrio econômico-financeiro originalmente pactuado pode se deslocar.

Entre os pontos sensíveis dos contratos em vigor, destacam-se as cláusulas de formação de preços, que muitas vezes fixam valores já incluindo todos os tributos ou, em outros casos, silenciam sobre preços líquidos, o que pode gerar assimetrias significativas quando o regime tributário mudar.

Nessas situações, uma das partes pode capturar vantagem indevida, criando um cenário propício a litígios. Além disso, as regras de repasse de tributos e alocação de riscos, atualmente atreladas a tributos específicos, podem perder aderência no novo modelo, exigindo a redefinição de responsabilidades e a criação de gatilhos para renegociação. Setores intensivos em serviços tendem a sentir aumento de carga tributária com as alíquotas de IVA projetadas entre 25% e 27%, enquanto cadeias com maior tomada de crédito podem ser favorecidas, tornando a distribuição de ganhos e perdas ao longo da cadeia um fator que afetará contratos de fornecimento, construção, serviços e parcerias.

Contratos públicos e privados: caminhos distintos para adaptação

A LC 214/2025 tratou do reequilíbrio econômico-financeiro nas contratações públicas, fixando parâmetros para ajustes, enquanto no setor privado não há mecanismo automático, prevalecendo a autonomia da vontade, a boa-fé objetiva e a função social do contrato. Assim, a adaptação dependerá da capacidade das partes de negociar soluções com base em critérios claros e dados operacionais, o que exige diálogo e flexibilidade diante das mudanças. No entanto, ainda não há consenso nos tribunais sobre enquadrar a reforma como evento inesperado e imprevisível que autorize rescisão ou revisão judicial por onerosidade excessiva, sendo que, entre agentes econômicos sofisticados, a tendência é prestigiar o pactuado.

Apoiar-se exclusivamente em uma correção judicial é uma aposta arriscada, especialmente durante o período de convivência entre o regime atual e o novo, fase que, por si só, aumenta a complexidade e o potencial de controvérsia. Vale ressaltar que a implementação da reforma será gradual, com regras antigas convivendo por anos com o novo sistema, e pontos relevantes da operacionalização — inclusive a definição final de alíquotas — ainda dependem de regulamentação. Nesse cenário de transição, as empresas operarão sob dois regimes, o que multiplica obrigações acessórias e exige ajustes sistêmicos em áreas como faturamento, compliance, ERPs e precificação.

Como as empresas devem se preparar

Antes de alterar cláusulas contratuais, é essencial que as empresas mapeiem os impactos econômico-operacionais do novo sistema tributário em suas operações. É preciso identificar quais insumos e despesas gerarão crédito, avaliando potenciais ineficiências e riscos de glosa ao longo da cadeia. Também é fundamental mensurar o efeito do fim ou redução de incentivos de ISS e ICMS sobre margens e preços, além de estimar o aumento da complexidade no período de transição e as novas obrigações acessórias relacionadas ao compliance e à gestão fiscal. Por fim, a estratégia operacional deve ser revista, considerando a logística, a localização de centros de distribuição e os modelos de contratação à luz da nova tributação.

Na elaboração de novos contratos e aditivos, recomenda-se a inclusão de cláusulas que prevejam o reequilíbrio por alteração legislativa relevante, estabelecendo gatilhos objetivos, prazos e metodologia de aferição de impacto. É importante prever janelas contratuais para reajuste e renegociação periódica, permitindo ajustes graduais durante a transição. A alocação de responsabilidades tributárias deve ser definida de forma clara, especificando quem recolhe, quem credita e como se dará o repasse entre as partes.

— JOTA