As formas de registro da jornada de trabalho do empregado que podem ser adotadas pela empresa
Um dos principais motivos de litigância trabalhista é o descumprimento da jornada regular de trabalho. Segundo os dados do Conselho Nacional de Justiça os pedidos sobre o descumprimento da jornada de trabalho foram o terceiro mais frequente na Justiça do Trabalho durante o ano de 2021. 1
O respeito ao horário de trabalho do empregado sempre foi motivo de preocupação pelo Direito do Trabalho. A CLT desde sua edição inicial em 1943 já previa no artigo 74, § 2º, a obrigatoriedade de anotação da hora de entrada e saída e de intervalos do trabalhador nos estabelecimentos com mais de dez empregados. À época, o registro era feito de forma manual, em que por exemplo o trabalhador anotava diariamente seus horários em um livro de ponto ou de maneira mecânica. Nesse último caso era bastante frequente o uso de máquinas, cada vez mais em desuso, em que é inserido um cartão, que após o acionamento manual de uma alavanca tinha o horário registrado nele. Daí provavelmente a expressão bater o ponto.
Com o tempo, o avanço da tecnologia permitiu o surgimento de novas formas de registro de horário de trabalho e em 1989, pela primeira vez, a Medida Provisória nº 89 autorizou o uso de registro de ponto eletrônico ao modificar a redação do artigo 74, § 2º, da CLT. Assim, as empresas com mais de dez empregados, obrigadas a registrar a jornada de trabalhado de seus funcionários, passou a poder fazer o registro de três formas: manual, mecânica ou eletrônica.
A Medida provisória também inovou ao permitir a pré-assinalação do período de repouso. Nesse caso, os intervalos intrajornada, como aquele destinado ao almoço, pode ser pré-assinalado no registro de ponto. Nesse caso, o empregado não registra o horário quando de fato está saindo e voltando do intervalo. Ele é gerado automaticamente ou é marcado de forma prévia, de modo que antes mesmo de usufruir do intervalo já consta registrado seu horário, o que pode não condizer com a realidade.
Posteriormente, ainda, a Lei nº 13.874/2019, conhecida como Lei da liberdade econômica, trouxe duas importantes alterações quanto ao registro de ponto. A primeira foi a modificação do número de empregados mínimo de um estabelecimento para o registro ser obrigatório. Com a nova norma, somente os estabelecimentos com mais de 20 empregados passaram a ser obrigados a manter o registro de ponto.
A outra novidade foi a permissão para que o controle de horário seja feito mediante registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, desde que previsto em acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. Foi autorizada, assim, uma quarta forma de controle da jornada, que ao contrário do registro eletrônico, surgido como decorrência do avanço tecnológico, o ponto por exceção tem sua origem na criatividade jurídica que já vinha sendo praticada em algumas convenções e acordos coletivos.
O ponto por exceção é uma modalidade em que o empregado é dispensado de registrar seu horário diariamente. Ele apenas irá fazê-lo nos dias e horários em que sua jornada for diferente da normal. Ou seja, haverá somente registros, por exemplo, de atrasos, horas trabalhadas além da jornada normal, faltas, etc. Assim, a marcação somente será de fato feita nesses momentos de exceção à jornada normal.
Antes do advento da Lei nº 13.874/2019 a jurisprudência pacífica do Tribunal Superior do Trabalho se posicionava contrariamente ao ponto por exceção. Mesmo quando previso em norma coletiva essa modalidade de registro era considerava inválida. Um dos motivos era que a CLT exigia o controle de jornada e o ponto por exceção é incapaz de demonstrar os reais horários de trabalho do empregado, já que prevalece uma mera presunção. Vejamos.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. REGISTRO DE PONTO POR EXCEÇÃO. ACORDO COLETIVO . INVALIDADE. ÓBICE DO ARTIGO 896, § 7º, DA CLT E DA SÚMULA 333 DO TST. I – O Tribunal Regional afastou a validade da norma coletiva que fixara a marcação dos horários de entrada e saída na modalidade “ponto por exceção”, por entender que “o artigo 74 da CLT trata de norma de ordem pública e é , portanto, inderrogável pela vontade das partes”. II – A decisão, tal como posta, encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido da invalidade da adoção do sistema de frequência por exceção, por impedir a transparência no controle da jornada efetivamente trabalhada, instituída por norma de ordem pública (artigo 74, § 2º, da CLT). III – Nessa perspectiva, o recurso de revista não logra seguimento à guisa de violação constitucional, nos termos do artigo 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333/TST, pela qual os precedentes desta Corte foram erigidos à condição de requisitos negativos de admissibilidade do apelo. IV – Agravo de instrumento a que se nega provimento” (AIRR-441-11.2013.5.02.0077, 5ª Turma, Relator Ministro Antonio Jose de Barros Levenhagen, DEJT 16/12/2016).
De certa forma o ponto por exceção inverte o ônus da prova sobre as horas extraordinárias. Até então, nas empresas obrigadas a manter registro de ponto, caso não houvesse nenhuma assinalação restava presumida a jornada alegada pelo empregado em eventual reclamação trabalhista. Existindo, porém, acordo de ponto por exceção, a ausência de marcação gera a presunção de que a jornada foi cumprida normalmente, cabendo ao empregado provar as horas extraordinárias de outra forma, caso tenha extrapolado seu horário normal.
O ponto por exceção ainda pode gerar dúvida sobre a real possibilidade de marcação pelo empregado nas ocasiões em que o horário normal de trabalho não é respeitado. Nesse sentido, seria salutar uma melhor regulamentação sobre o tema. As normas que dispõem sobre o controle de jornada atualmente se limitam a exigir a existência de acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo para a validade do sistema. São elas o artigo 74, § 4º, da CLT, o artigo 31, § 2º, do Decreto nº 10.854 de 2021, e o artigo 93, parágrafo único, da Portaria MTP nº 671 de 2021, que revogou as Portarias 373 e 1510 do mesmo Ministério.
O mesmo não ocorre em relação ao registro de ponto eletrônico, que com vistas a evitar fraudes, está regulado pelo Decreto nº 10.854 de 2021 e pela Portaria MTP nº 671 de 2021.
Primeiramente há a preocupação para que o sistema de marcação eletrônica registre fielmente as marcações efetuadas. Para tanto, o artigo 74 da Portaria MTP nº 671 de 2021 proíbe: 1) a existência de restrições de horário à marcação do ponto; 2) a marcação automática do ponto, utilizando-se horários predeterminados ou o horário contratual, não se confundindo com o registro por exceção; a exigência, por parte do sistema, de autorização prévia para marcação de sobrejornada; e a existência de qualquer dispositivo que permita a alteração dos dados registrados pelo empregado.
Ademais, a norma prevê três espécies distintas de registro eletrônico de ponto. São eles o convencional (REP-C), o alternativo (REP-A) e o via programa (REP-P).
O sistema de registro eletrônico de ponto convencional é composto pelo registrador eletrônico de ponto convencional (REP-C) e pelo Programa de Tratamento de Registro de Ponto. O REP-C é o equipamento de automação utilizado exclusivamente para o registro de jornada de trabalho e com capacidade para emitir documentos decorrentes da relação do trabalho e realizar controles de natureza fiscal trabalhista, referentes à entrada e à saída de empregados nos locais de trabalho.
Ele deve ser submetido à análise de conformidade, seguindo os Requisitos de Avaliação da Conformidade para registrador eletrônico de ponto publicados pelo INMETRO, com emissão de certificado, além de outro certificado de registro de programa de computador no Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Em ambos os casos serão verificados o cumprimento de uma série de requisitos técnicos definidos pela Portaria.
Além disso, o REP-C deve estar sempre no local da prestação do serviço e disponível para imediata extração e impressão de dados pelo Auditor-Fiscal do Trabalho.
De grande importância, ainda, a exigência de que o equipamento deve emitir ou disponibilizar acesso ao comprovante de registro de ponto do trabalhador, que tem como objetivo comprovar o registro de marcação realizada pelo empregado. Trata-se de uma forma de fiscalizar se os horários registrados estão em conformidade com a realidade. Ademais, enquanto a revogada Portaria MTE nº 1.510 de 2009 exigia que fosse impresso a cada marcação o comprovante do registro de ponto, a Portaria MTE nº 671 de 2021 exige que seja disponibilizado ao trabalhador, por meio de sistema eletrônico, acesso ao comprovante após cada marcação, independentemente de prévia solicitação e autorização. Ainda, é exigido que o empregador deve possibilitar a extração, pelo empregado, dos comprovantes de registro de ponto das marcações realizadas, no mínimo, nas últimas quarenta e oito horas.
O sistema de registro eletrônico de ponto alternativo, por sua vez, é composto pelo registrador eletrônico de ponto alternativo (REP-A) e pelo Programa de Tratamento de Registro de Ponto. Já o REP-A é o conjunto de equipamentos e programas de computador que tem sua utilização destinada ao registro da jornada de trabalho, autorizado por convenção ou acordo coletivo de trabalho. Isso significa que norma coletiva poderá autorizar a utilização de registro eletrônico de ponto com características mais flexíveis daquelas exigidas para o REP-C. Por exemplo, pode ser dispensada a exigência de análise de conformidade, seguindo os Requisitos de Avaliação da Conformidade para registrador eletrônico de ponto publicados pelo INMETRO, com emissão de certificado.
Contudo, embora a norma coletiva possa autorizar maior flexibilidade quanto às exigências do registro de ponto eletrônico, ela somente valerá no período de vigência da convenção ou do acordo coletivo, estando vedada sua ultratividade.
Por fim, o sistema de registro eletrônico de ponto via programa é composto pelo registrador eletrônico de ponto via programa (REP-P), pelos coletores de marcações, pelo armazenamento de registro de ponto e pelo Programa de Tratamento de Registro de Ponto. Os coletores de marcações são equipamentos, dispositivos físicos ou programas (softwares) capazes de receber e transmitir para o REP-P as informações referentes às marcações de ponto.
Ainda, o REP-P é o programa (software) executado em servidor dedicado ou em ambiente de nuvem, utilizado exclusivamente para o registro de jornada e com capacidade para emitir documentos decorrentes da relação do trabalho e realizar controles de natureza fiscal trabalhista, referentes à entrada e à saída de empregados nos locais de trabalho. Ademais, ele deve possuir certificado de registro de programa de computador no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Uma diferença fundamental entre o REP-C e o REP-P é que o primeiro é um equipamento físico indivisível, em que a marcação do ponto é feita no mesmo equipamento em que há o registro. Ao contrário, o REP-P é um software que irá registrar os horários marcados em outro dispositivo, físico ou virtual.
Em comum, porém, todas os três tipos de sistema de registro eletrônico de ponto devem gerar o Arquivo Fonte de Dados, conforme especificações técnicas definidas na Portaria, que deverá ser entregue ao Auditor-Fiscal do Trabalho.
Ainda, os fabricantes ou desenvolvedores de sistema de registro de ponto e de programa de tratamento de registro de ponto deverão fornecer à empresa usuária do seu equipamento ou programa o documento denominado Atestado Técnico e Termo de Responsabilidade, assinado pelo responsável técnico pelo equipamento ou programa e pelo responsável legal da empresa fabricante ou desenvolvedora, afirmando expressamente que seu equipamento ou programa atende às determinações da Portaria MTE nº 671 de 2021. No caso do REP-C, ainda, o Atestado Técnico e Termo de Responsabilidade referente ao REP-C deve conter o nome do algoritmo de hash, a chave pública e o nome do algoritmo de criptografia assimétrica utilizados na assinatura eletrônica.
Diante de todo o exposto, observamos que atualmente o registro de ponto dos empregados é regulado principalmente pelo o artigo 74, da CLT, pelos artigos 31 e 32 do Decreto nº 10.854 de 2021, e pelos artigos 71 a 101 da Portaria MTP nº 671 de 2021, que revogou as Portarias 373 e 1510 do mesmo Ministério.
Nesse sentido, os estabelecimentos com mais de 20 empregados podem adotar quatro formas de controle de jornada: manual, mecânica, eletrônica ou ponto por exceção. Na hipótese de registro eletrônico ele poderá ser o convencional, alternativo ou via programa, cada um possuindo especificações próprias, sendo que o alternativo, por ser previsto em convenção ou acordo coletivo, possui maior flexibilidade quanto às suas exigências.
Por fim, verificamos uma vasta regulamentação sobre o registro eletrônico de ponto com vistas a evitar fraudes no registro dos horários. O mesmo, porém, não se pode dizer sobre o ponto por exceção, que ainda merece maior regulamentação com finalidade idêntica.
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