Desconsideração da personalidade jurídica: banalização de um instrumento jurídico

Nos últimos anos, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem sido cada vez mais utilizado nos tribunais brasileiros, mas nem sempre de forma criteriosa. Embora o Código Civil, no artigo 50, e o Código de Processo Civil, nos artigos 133 a 137, estabeleçam critérios claros para sua aplicação, observa-se uma crescente tendência de deferimentos indiscriminados, muitas vezes sem a devida comprovação dos requisitos legais. Esse comportamento judicial, que deveria ser pautado pela excepcionalidade e rigor, tem transformado um instrumento necessário em uma arma de insegurança jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica, em sua essência, é uma medida extrema que permite ultrapassar o manto da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios ou administradores. Essa excepcionalidade só pode ser invocada quando demonstrados dois requisitos fundamentais: o desvio de finalidade, que implica a utilização da pessoa jurídica para práticas ilícitas ou fraudulentas, e a confusão patrimonial, caracterizada pela ausência de separação entre os bens da empresa e os de seus sócios.

Não obstante a clareza da lei, tem-se assistido, com frequência alarmante, a decisões judiciais que desconsideram a personalidade jurídica sem qualquer comprovação de tais requisitos. Em muitos casos, a simples inexistência de bens penhoráveis no nome da empresa é tratada como justificativa suficiente para atingir o patrimônio pessoal dos sócios. Essa postura, além de juridicamente questionável, revela um desprezo pelo princípio da autonomia patrimonial, essencial ao funcionamento das relações empresariais.

É evidente que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica foi concebido para evitar abusos e fraudes, mas sua aplicação arbitrária o converte em uma ferramenta de opressão contra os empreendedores. Decisões baseadas em meras presunções de desvio de finalidade ou confusão patrimonial tornam a exceção uma regra, comprometendo o que há de mais caro no direito: a segurança jurídica.

— Conjur