Interpretação e aplicação do Direito do Trabalho
O Direito consiste em uma ciência jurídica destinada à sistematização de normas e leis em vigor, dedicando-se a estudar regras e processos que surgem e se estabelecem como limites para as relações sociais. O Direito, portanto, é o conjunto das normas que regulam, de forma coercitiva, as relações em sociedade.
Cada norma existente num sistema jurídico possui um significado ou diversos significados, cabendo ao intérprete revelar o conteúdo e alcance das normas que o compõem todos os ramos do Direito, incluindo o Direito do Trabalho, procurando alcançar o sentido social das leis trabalhistas e a função que elas exercem na sociedade.
A interpretação do Direito é sempre necessária, sejam as normas obscuras ou claras, para se buscar o seu verdadeiro alcance.
Para interpretar o Direito do Trabalho é preciso perquirir sobre seu sentido e alcance por meio de um trabalho interpretativo científico, e não meramente embasado em interesses econômicos, políticos e outros.
A tarefa de interpretar o Direito do Trabalho começa com os doutrinadores e advogados, estes que são os primeiros juízes das causas, que levarão ao Judiciário o seu entendimento sobre as normas legais e, finalmente, os juízes do Trabalho têm a tarefa de dizer sobre o alcance das normais trabalhistas, se estão ou não em conformidade com a Constituição Federal, que é a lei maior a ser observada por todos. Por isso, o primeiro cuidado do intérprete de uma lei é verificar se ela se conforma com a Constituição Federal no do seu conteúdo.
Como farol para essa importante tarefa do intérprete do Direito do Trabalho assegura o artigo 1º da Constituição Federal que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. O artigo 3º, por sua vez, consagra que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Já o artigo 170 da mesma norma maior, que trata da ordem econômica no Brasil, preconiza que ela se fundamenta na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, entre outros, os princípios da busca do pleno emprego.
No ponto central do papel do Direito do Trabalho, o artigo 7º da Constituição Federal estabelece que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, todos aqueles inseridos nos seus incisos. São os chamados direitos mínimos, estando incluídos neles o piso vital mínimo ou patamar civilizatório, como denomina Maurício Godinho Delgado (“Curso de Direito do Trabalho”, São Paulo, LTR, 2005, p. 117).
Como afirma Mauro Schiavi, “é consenso na doutrina, com grande prestígio da jurisprudência, principalmente a dos Tribunais Superiores, que a proteção à dignidade da pessoa humana é o fundamento de todo o ordenamento jurídico e também a finalidade última do Direito. A interpretação do direito não pode estar divorciada dos princípios constitucionais e, principalmente, dos princípios que consagram direitos fundamentais. Por isso, a moderna doutrina tem se posicionado no sentido de que os princípios fundamentais da Constituição Federal têm caráter normativo, tendo aplicabilidade imediata como se regras fossem”.
Esse piso vital mínimo de direitos visa a incluir socialmente os trabalhadores e garantir e implementar a proteção à dignidade da pessoa humana, o que está de acordo com o princípio protetor do Direito do Trabalho, que é a sua razão de ser, como medida de efetividade dos direitos fundamentais da pessoa humana e da realização do princípio da igualdade entre os atores sociais partícipes da relação de trabalho: trabalhador e o empregador.
Assim, na busca de um norte para interpretar o Direito do Trabalho não se pode esquecer da segunda norma legal mais importante no nosso ordenamento jurídico (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), que no seu artigo 5º consagra uma das mais importantes regras para o intérprete, dizendo que:
“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
O juiz deve, antes de aplicar a lei, interpretá-la e buscar o seu sentido e alcance. A interpretação da lei é sempre sociológica e teleológica e pode resultar na ampliação da norma (artigos 5º e 6º da CF 1988 — direitos fundamentais), na sua restrição ou na declaração de validade ou não do seu conteúdo por meio do controle difuso.
Assim, o Poder Judiciário trabalhista tem a importante tarefa de determinar os fins sociais da lei trabalhista e o bem comum que ela visa a proteger, como algo que agrada e interessa a todos, ao povo, à comunidade e não apenas a uma parcela, especialmente àquela que detém os poderes econômico e político.
Por isso, é de grande importância o papel do juiz do Trabalho, quer na interpretação das normas jurídicas materiais e processuais, quer na sua aplicação. Isto porque, como mostra a prática forense diária, “o Direito não é exatamente aquilo que está na lei, mas o que o juiz diz no caso concreto”. É o magistrado quem dará a palavra final, sendo apenas provisória a interpretação dada pelos outros agentes do processo (o Ministério Público, o advogado etc.). Assim, para que o Direito do Trabalho seja efetivo e cumpra o seu papel de inclusão social dos trabalhadores, é preciso que o juiz esteja familiarizado com os problemas que envolvem o direito laboral, pois é ele um verdadeiro “médico das feridas sociais”, que são muitas e crescem a cada dia no nosso país.
Raimundo Simão de Melo é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos.