Nova blindagem patrimonial: contas escrow e a inadimplência na execução judicial

A recuperação de crédito no Brasil enfrenta obstáculos crescentes, impulsionados pela sofisticação dos mecanismos utilizados por devedores para ocultar ou blindar seus ativos.

Entre as táticas mais recentes e desafiadoras, destaca-se o uso estratégico de contas escrow (contas de garantia ou caução) por empresas em situação de inadimplência.

Embora o contrato escrow possua natureza jurídica lícita e seja fundamental em transações comerciais complexas para garantir a segurança das partes, seu desvirtuamento pode transformá-lo em uma engenhosa ferramenta de fraude à execução, tornando os ativos financeiros da devedora inatingíveis pelos credores, inclusive os bancários.

As contas escrow são amplamente utilizadas em diversas situações, como transações imobiliárias, fusões e aquisições de empresas, financiamentos, e-commerce, entre outras. Elas são especialmente úteis em transações complexas ou de alto valor, onde a confiança entre as partes pode ser limitada. Nesse tipo de conta, um terceiro neutro, conhecido como agente escrow, é responsável por manter e gerenciar os fundos ou ativos envolvidos na transação até que todas as condições acordadas entre as partes sejam cumpridas.

As contas escrow ajudam a evitar fraudes e litígios, uma vez que o agente escrow atua como um intermediário imparcial, assegurando que todas as condições contratuais sejam cumpridas antes da liberação dos fundos. Esse mecanismo proporciona uma camada adicional de segurança e confiança, facilitando a conclusão de negócios que, de outra forma, poderiam ser arriscados ou inviáveis.

O mecanismo fraudulento opera quando a empresa executada, já em estado de insolvência ou vislumbrando a iminência de um processo de execução, celebra um contrato com um terceiro, o agente escrow (geralmente uma instituição financeira ou um custodiante independente), sob a premissa de garantir uma obrigação futura ou pendente.

Contudo, o verdadeiro objetivo não é a garantia legítima da obrigação, mas sim o desvio de liquidez. Ao alocar grandes somas de dinheiro em uma conta escrow, a devedora retira esses valores de sua livre movimentação, transformando um ativo líquido e penhorável em um ativo de difícil constrição judicial. O capital fica formalmente vinculado a uma condição ou evento futuro, criando uma barreira jurídica complexa.

Do ponto de vista jurídico-processual, a defesa da penhorabilidade de tais valores exige que o credor demonstre o abuso de direito e a fraude à execução (art. 792 do Código de Processo Civil).

A mera alegação de que a conta escrow possui uma finalidade garantidora não pode prevalecer sobre o direito do credor à satisfação do seu crédito, especialmente quando se prova que o negócio subjacente é simulado, inexiste, ou que a obrigação garantida é desproporcional ou pactuada com o intuito primário de lesar. A fraude se configura quando a celebração do contrato escrow é posterior à citação válida ou quando, mesmo anterior, a devedora já estava em estado de insolvência notória.

Para quebrar essa blindagem, o Poder Judiciário deve atuar de forma rigorosa, utilizando as modernas ferramentas de investigação patrimonial (SISBAJUD, SNIPER, INFOJUD) para mapear a natureza real e o fluxo da conta escrow. É imperativo analisar a documentação subjacente: quem são as partes envolvidas, qual a origem dos recursos, e qual a probabilidade real de a condição de liberação ser cumprida. Se a investigação revelar que a devedora mantém controle de fato sobre os recursos, ou que a contraparte é um terceiro de má-fé ou parte de um grupo econômico, o juiz deve declarar a ineficácia do negócio jurídico perante a execução.

A doutrina e a jurisprudência têm caminhado no sentido de que a impenhorabilidade dos valores em escrow não é absoluta. O ônus de provar a legitimidade e a boa-fé da operação recai sobre a devedora e o agente escrow. Se for demonstrado que o negócio foi celebrado com desvio de finalidade – ou seja, com o propósito precípuo de subtrair o patrimônio da execução –, o juízo deve determinar a imediata penhora dos valores, afastando a proteção formal do contrato.

— JOTA