Novos conceitos adotados pela Justiça viram o jogo entre apps e empregados

O mês de setembro consolidou uma virada na Justiça do Trabalho. Corroborando decisões que foram assinadas em primeira instância e em um tribunal regional, a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo empregatício de um entregador por aplicativo, o que resultou em um desempate no TST. Agora, a 2ª, a 3ª, a 6ª e a 8ª Turmas da corte superior reconhecem esses trabalhadores como empregados dos aplicativos, enquanto a 1ª, a 4ª e a 5ª Turmas rechaçam o vínculo.

A razão dessa mudança de entendimento está no amadurecimento de dois conceitos que têm aparecido com mais frequência nas jurisprudências trabalhistas: a gamificação do trabalho e a subordinação algorítmica.

Gamificação consiste no uso de técnicas de jogos para gerir a relação laboral (metas, premiações etc.); já o segundo trata da substituição da pessoa física responsável por dar ordens (subordinação clássica) pelo algoritmo, que, na prática, funciona como chefe do trabalhador. Já a subordinação algorítmica trata da substituição da pessoa física responsável por dar ordens (subordinação clássica) pelo algoritmo, que, na prática, funciona como chefe do trabalhador.

Em setembro, magistrados assinaram, com base nesses conceitos, duas decisões sem precedentes na Justiça brasileira, ordenando que as empresas de entregas por aplicativos registrassem os seus colaboradores no Brasil de acordo com as regras trabalhistas. A primeira veio da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo e a segunda, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista). As duas foram provocadas por ações civis públicas originadas a partir de extensos inquéritos produzidos pelo Ministério Público do Trabalho, por isso sua extensão nacional.

Já a decisão do TST, assinada no último dia 27 pela desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa, foi provocada por um caso individual. Todas elas carregam argumentos semelhantes, que, de alguma forma, subvertem a maneira como as empresas dizem operar no Brasil.

Por unanimidade, os ministros da 2ª Turma do TST seguiram a fundamentação de Margareth Costa, que diz que uma das empresas pune os motoristas com bloqueio, coloca-os em uma espécie de ranqueamento de corridas, estabelece as demandas para cada profissional e remunera-os diretamente, “tudo de acordo com as condições empresariais estipuladas unilateralmente por ela”.

A cizânia na Justiça do Trabalho pode culminar em intervenções do Supremo Tribunal Federal, que, a despeito de não ter competência para tal, tem se posicionado como a última instância em questões trabalhistas, influindo nas decisões sobre vínculo. Além disso, um grupo de trabalho interdisciplinar discute uma regulamentação específica para esses trabalhadores.

À revista eletrônica Consultor Jurídico, no entanto, procuradores do Trabalho, professores e outros especialistas no assunto dizem que, caso seja formulada, uma nova norma deve partir dos direitos já consagrados pela Convenção das Leis do Trabalho (CLT), e não da redução destes. 

O inquérito conduzido pelo MPT que culminou na condenação na 4ª Vara de São Paulo mostrou ainda que a empresa precifica os pagamentos (que eles chamam de repasses) de acordo com o salário mínimo brasileiro. Além disso, a maior parte dos motoristas, conforme já publicado por várias pesquisas acadêmicas, têm como renda principal o trabalho no aplicativo, o que afasta as argumentações de liberdade e de que a prática é um complemento financeiro.

Uma pesquisa conduzida pela Universidade Federal de Minas Gerais, em convênio com o MPT, e publicada neste ano, por exemplo, mostra que 62,3% dos 400 motoristas entrevistados trabalhavam mais de 44 horas por semana; outros 29,8% trabalhavam entre 22 e 44 horas semanais. Os trabalhadores entrevistados atuavam em Belo Horizonte e nas cidades adjacentes, e 94,6% deles afirmaram que também trabalhavam aos finais de semana.

Já um estudo conduzido pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), com informações colhidas entre 2021 e 2022 e também divulgado neste ano, mostra que 63% dos motoristas de aplicativos trabalham exclusivamente nestas plataformas. A pesquisa foi conduzida pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), organização que defende os interesses das empresas.

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