Oportunidades perdidas, reparações possíveis: a teoria da perda de uma chance no STJ

Um paciente que, em vez de permanecer internado, recebe alta indevidamente e acaba morrendo. Um participante de reality show que, por erro do programa, é eliminado e deixa de concorrer ao prêmio final. Um investidor que tem suas ações vendidas antecipadamente, sem autorização, e perde a oportunidade de fazer um negócio melhor.

Em comum, essas situações envolvem a possibilidade de indenização com base na teoria da perda de uma chance. Adotada no âmbito da responsabilidade civil, essa teoria considera que quem, de forma intencional ou não, retira de outra pessoa a oportunidade de um dado benefício deve responder pelo fato.

De aplicação normalmente complexa, a teoria da perda de uma chance é continuamente analisada em diversos contextos e tem tido ampla aceitação na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Probabilidade
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino explicou que a teoria foi desenvolvida na França (la perte d’une chance) e tem aplicação quando um evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.

Segundo o ministro, o precedente mais antigo no direito francês foi um caso apreciado em 17 de julho de 1889 pela Corte de Cassação, que reconheceu o direito de uma parte a ser indenizada pela conduta negligente de um funcionário, o qual impediu que certo procedimento prosseguisse e, assim, tirou da parte a possibilidade de ganhar o processo.

A Justiça francesa entendeu que a perda da chance para a parte demandante não foi apenas um prejuízo hipotético – embora não houvesse certeza acerca da decisão que seria tomada pelo tribunal no julgamento daquele caso.

De acordo com o ministro, a característica essencial da perda de uma chance é a certeza da probabilidade. “A chance é a possibilidade de um benefício futuro provável, consubstanciada em uma esperança para o sujeito, cuja privação caracteriza um dano pela frustração da probabilidade de alcançar esse benefício possível”, destacou.

Responsabilidade do Estado
De acordo com o ministro Mauro Campbell Marques, a perda de uma chance implica um novo critério de mensuração do dano causado, já que o objeto da reparação é a perda da possibilidade de obter um ganho como provável, sendo necessário fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo (REsp 1.308.719).

“A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização”, observou.

Segundo ele, a teoria da perda de uma chance tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas stricto sensu, mas também na responsabilidade civil do Estado.

“Isso porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à interpretação do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente público também está obrigado à reparação quando, por sua conduta ou omissão, provoca a perda de uma chance do cidadão de gozar determinado benefício”, explicou.

Células-tronco
Para a Terceira Turma do STJ, tem direito a ser indenizada – com base na teoria da perda de uma chance – a criança que, em razão da ausência do preposto da empresa contratada por seus pais, não teve coletadas células-tronco embrionárias do seu cordão umbilical no único momento em que isso seria possível: a hora do parto.

Ações
Em 2018, a Quarta Turma aplicou a teoria da perda de uma chance para estabelecer a responsabilidade de um banco pelo prejuízo que um investidor teve ao ser privado de negociar suas ações por valor maior, após elas serem vendidas sem sua autorização.

Segundo o processo, o investidor contratou o banco para intermediar seus pedidos de compra e venda de ações na bolsa de valores. Porém, sem consultá-lo, o banco vendeu as ações, o que lhe trouxe prejuízo, pois o impediu de negociar os papéis em condições melhores.

Reality show
A Terceira Turma manteve decisão que condenou as empresas organizadoras do programa Amazônia – reality show, exibido pela TV Record em 2012, ao pagamento de R$ 125 mil a um participante que foi eliminado por erro na contagem de pontos na semifinal da competição.

“O tribunal de origem demonstrou que ficaram configurados os requisitos para reparação por perda de uma chance, tendo em vista a comprovação de erro na contagem de pontos na rodada semifinal da competição, o que tornou a eliminação do autor indevida, e a violação das regras da competição que asseguravam a oportunidade de disputar rodada de desempate”, afirmou o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva.

De acordo com o processo, o participante do programa terminou a fase de perguntas e respostas da semifinal em situação de empate com outro competidor, mas foi eliminado por um erro na contagem dos pontos.

Lucros cessantes
Para a Terceira Turma, se uma atividade empresarial nem teve início, não é possível aferir a probabilidade de que os lucros reclamados de fato ocorreriam. Com base nesse entendimento, os ministros negaram provimento, interposto por uma empresa que pedia indenização por lucros cessantes alegando que o shopping no qual alugaria uma loja não foi entregue.

Erro médico
Ao verificar a aplicabilidade da teoria da perda de uma chance nos casos de erro médico, Terceira Turma consignou, com base nos precedentes do tribunal: “A teoria da perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil ocasionada por erro médico, na hipótese em que o erro tenha reduzido possibilidades concretas de cura do paciente”.

Ao analisar o caso da morte de uma pessoa de 21 anos, os ministros entenderam que a perda de uma chance remota ou improvável de recuperação da paciente que recebeu alta hospitalar – em vez de ficar internada – não constitui erro médico passível de compensação, sobretudo quando reconhecido pelo tribunal de segunda instância que a paciente era saudável, a conduta do médico não foi causa suficiente para sua morte, e a natureza do óbito é um dado raro e extraordinário na medicina.

Related Posts