Qual será o modelo de trabalho predominante no pós-pandemia?

Com as primeiras semanas da pandemia veio a certeza de que, em maior ou menor grau, a depender do aspecto de nossas vidas, nada mais seria como antes. Um novo normal se desenhava logo ali, em um futuro não muito distante. À exceção dos sistemas de saúde, poucos setores foram atingidos tão violentamente quanto o do trabalho. O novo coronavírus provocou transformações radicais no modo como trabalhamos.

Se vamos voltar aos escritórios, se permaneceremos em casa ou ainda se nos dividiremos entre os dois modelos é a parte mais visível da discussão imposta pela eclosão do Sars-CoV-2. Os debates são muito mais profundos. Em recente artigo para a revista The Economist, o professor de psicologia da Wharton University Adam Grant diz que o vírus tende a transformar três aspectos relevantes do trabalho: a satisfação do colaborador (em meio ao crescente desemprego), a liderança ética e a confiança. “A crise da covid-19 pode inspirar um movimento em direção a um líder mais ético e compassivo. Os empregados demandarão isso”, escreve Adam.

Outro tema que dará as cartas em 2021 é a ressignificação dos espaços físicos de trabalho. A nova era dos ambientes, com escritórios abertos, sem divisões entre chefes e comandados e que estimulam o trabalho colaborativo, ilustrada em reportagem de capa de Época NEGÓCIOS em fevereiro de 2019, ainda dará a tônica nos próximos anos. Mas a tendência, nesse momento, é que o conceito de escritório como “segunda casa” deixe de fazer sentido, e esses espaços se transformem cada vez mais em espécies de hubs estratégicos de relacionamento. Há empresas também que já avaliam a possibilidade de terem um escritório menor e vários pontos de apoio espalhados pelas grandes cidades, explica Ruy Shiozawa, CEO do GPTW Brasil. “Esses pontos funcionam como ilhas estrategicamente distribuídas para que os funcionários possam fazer deslocamentos mais curtos e sem perder tanto tempo no trânsito”, diz Ruy. O olhar, aqui, é voltado à comodidade dos colaboradores.

A maior flexibilidade nos modelos de trabalho obrigará o RH a redesenhar os contratos e as políticas de home office que existiam até então. Alguns limites (como carga horária) e obrigações (como a necessidade de o colaborador trabalhar no escritório em intervalos determinados pela empresa) terão de ser considerados. Pesquisa do hub de empreendedorismo global Founders Forum detectou que 55,2% das pessoas trabalharam mais do que o normal durante a pandemia. Ao longo dos meses de crise sanitária, as empresas buscaram uma espécie de autorregulação, proibindo o início de reuniões antes ou depois de determinado horário ou mesmo “travando” o horário do almoço para qualquer assunto relacionado a trabalho. Haverá um impacto também na cesta de benefícios. Cadeiras ergonômicas, computadores e ajuda de custo com internet ou energia passam a se tornar parte da política de benefícios, que tende a se tornar cada vez mais flexível.

Na pandemia, a Microsoft Brasil tomou a decisão de ampliar os direitos, como a licença remunerada de 12 semanas para o colaborador utilizar como bem entender — no acompanhamento do filho em uma semana de provas, na visita a um parente doente ou simplesmente para cuidar de si próprio. O desafio é que poucas pessoas utilizam o benefício, possivelmente com receio de se ausentar do trabalho. “Para incentivar a adesão, reforçamos a mensagem de que nenhum profissional é produtivo sem saúde mental e equilíbrio. É melhor trabalharmos de forma preventiva do que ter de lidar, mais à frente, com o afastamento por uma crise de burnout [esgotamento], cuja recuperação é lenta”, diz a presidente, Tania Cosentino.

Confinados em suas casas desde meados de março, os 4 mil colaboradores de funções administrativas da Suzano foram convidados a um retorno voluntário para os escritórios a partir de agosto. O planejamento da gigante global de papel e celulose previa a volta em ondas formadas por 20% da equipe a cada mês, totalizando 60% do quadro em outubro. Naquele mês, entretanto, apenas 2% dos funcionários ocupavam suas baias. O comportamento é compreensível e até esperado: quase ninguém deseja voltar ao escritório enquanto não houver uma solução efetiva para a crise sanitária, como um tratamento ou vacina.

Existe outro motivo, entretanto, que explica o baixo engajamento. “A realidade é que a grande maioria das pessoas está confortável e feliz com esse modo de trabalho”, diz Christian Orglmeister, diretor da Suzano. A empresa se debruça agora no desenho de um novo modelo de trabalho para 2021, baseado em pesquisas internas de clima. Da política anterior, que previa a possibilidade de um dia por semana de trabalho em home office, hoje o cenário mais provável é que os colaboradores possam trabalhar dois dias no escritório, se assim o desejarem. “Mas isso pode mudar daqui a seis meses. Ninguém sabe ao certo como será 2021”, diz Christian.

Fonte: Época NEGÓCIOS

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