Você sabia que em agosto desse ano entra em vigor no Brasil a Lei Geral de Proteção de Dados?
Por Luciana Mota, advogada (*)
A (quase) famosa LGPD trata-se de um verdadeiro marco legal, pois introduz o Brasil à vanguarda das leis de proteção de informações, e coloca o país a caminho do reconhecimento e proteção da cidadania digital.
CIDADANIA DIGITAL
Atualmente, quando pensamos em informação (dados), estamos tratando de uma das commodities mais preciosas, versáteis e desejáveis do mercado.
Embora, muitas vezes, tal conceito fuja de nossa consideração, a verdade é que, gigantes da tecnologia, como Facebook, Google e outras, têm como matéria-prima, nada mais nada menos, que informação.
Ainda assim, quantos de nós, ao abrir um perfil no Facebook, tem consciência, de que estamos firmando um contrato? Ainda, de que em troca do serviço estamos fornecendo informações? Mais estamos concordando com o uso, praticamente, indiscriminado e ilimitado de nossas informações?
Arrisco-me a dizer que poucos, muito poucos.
O mesmo se dá com os aplicativos grátis de oferta quase infinita.
Pois bem, nesse mercado, de tantos serviços grátis temos a impressão de sermos consumidores, porém, somos na verdade, no mais das vezes, a mercadoria.
DIREITOS DOS TITULARES
Nos termos da nova legislação, todos nós, passamos de provedores, a titulares de dados, com direitos expressamente reconhecidos, como o direito ao livre consentimento informado, mediante transparência e clareza quanto a finalidade da coleta dos dados.
Outra inovação trazida pela LGPD estabelece a necessidade de base legal para a coleta de dados, com clara informação ao titular da finalidade, do âmbito de utilização, possibilidade de compartilhamento e período de armazenamento, de tal maneira que, para cada finalidade será necessário um consentimento.
Por conseguinte, no exercício de suas prerrogativas, o titular poderá, por exemplo, autorizar a coleta do dado e opor-se ao seu compartilhamento com terceiros.
Evidentemente, tamanha revolução produzirá alterações sensíveis nas relações jurídicas de toda natureza, com imediato e dramático impacto nas relações de consumo e trabalhistas.
IMPACTO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS
A conformidade com os procedimentos obrigatórios previstos na LGPD, impõe a revisão de contratos, políticas de privacidade, acesso a sites, e toda operação que envolva a coleta de dados.
Contudo, a simples revisão de normas e procedimentos, não basta para adequação à nova legislação.
Também se fazem necessários o registro de todas as operações envolvendo a coleta de dados e a redação de relatório de impacto, contendo a descrição do tratamento de dados pessoais que possam gerar risco às liberdades civis dos titulares e medidas de mitigação daquele.
Mesmo a utilização de dados no âmbito das empresas deve ser adequado de maneira que, da coleta ao descarte seja assegurada a proteção dos dados.
Nas relações trabalhistas, impõe-se a imediata adequação dos contratos de trabalho, de maneira a assegurar os direitos dos trabalhadores com informações sobre a finalidade, necessidade dos dados coletados em razão da relação de trabalho, com facilitado e amplo acesso aos mesmos.
A inobservância dos direitos dos funcionários pelas empresas (controladoras dos dados), pode gerar consideráveis repercussões no passivo trabalhista, além das (pesadas) sanções previstas na própria LGPD.
INSERÇÃO NO MERCADO GLOBAL
A lei formulada no Brasil, tem forte inspiração no GDPR – Regulamento Geral de Proteção de Dados (General Data Protection Regulamentation), produzido pelo Parlamento da Comunidade Europeia.
Aquele regulamento mostra-se ainda mais rigoroso na proteção dos dados de seus cidadãos, e mesmo na circulação de informações pessoais no território da comunidade europeia, impondo altíssimas multas para a violação de suas diretrizes.
E com o volume e rapidez da circulação de informações online, estabelecer limitações territoriais rígidas para aplicação do GDPR, seria, ao fim e ao cabo, tornar praticamente nulas suas disposições.
Portanto, o regulamento em questão, ampliou sua aplicação para além do território Europeu, estendendo-se também às empresas que ofertem bens, serviços, ou atividades que se relacionam com a União Europeia e que coletem dados de cidadãos europeus.
Nos Estados Unidos, a Califórnia, estado em que se localiza o Vale do Silício e que sedia gigantes da tecnologia, como Amazon, Facebook e Google, também já promulgou sua legislação, a Lei de Privacidade dos Consumidores da Califórnia (California Consumer Privacy Act), ou simplesmente CCPA.
A Lei de Privacidade dos Consumidores da Califórnia, também dispensa a presença física das empresas para aplicação da norma, bastando para o alcance da jurisdição que as mesmas façam negócios na Califórnia e que satisfaçam os requisitos da legislação californiana.
ATRÁS DO DESAFIO UM NOVO HORIZONTE
Há no país setores que apostam em novo adiamento da vigência da LGPD. Tal expectativa aproxima-se mais do wishful thinking do que a hipótese concreta.
Pior, um novo adiamento, traria efetivos prejuízos, travestido de falso alívio, com a real possibilidade de limitações comerciais com outros países.
Trata-se de valor essencial, da missão de toda empresa bem-sucedida, buscar a contínua expansão de seus mercados de serviço e de sua base de consumidores.
E a LGPD posiciona o Brasil como um parceiro confiável no cenário mundial de comércio, ampliando horizontes e oportunidades de negócios.
A implementação da LGPD trata-se de um marco civilizatório, uma revolução que traz em seu bojo, oportunidades e adversidades.
(*) Por Luciana Mota, advogada. Especialista em LGPD, é sócia-fundadora da LM Advogados e parceira do escritório Acácio Júnior Advocacia Empresarial
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