Convenção 158 do STF: entenda a polêmica sobre a dispensa sem justa causa

A informação de que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar este ano o julgamento da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) levou vários grupos de whatsapp e perfis de redes sociais a divulgarem que a Corte pode proibir a dispensa sem justa causa no país.

 A polêmica que tomou a internet foi esclarecida pela juíza Eleonora Lacerda. A magistrada explica porque o Supremo deve retomar o processo que se arrasta há 25 anos e quais as reais implicações para empregadores e empregados.

Entenda tudo sobre o assunto

Circulou nas redes sociais e na imprensa que o STF está para proibir a dispensa sem justa causa. Do que se trata essa discussão e o que está sendo julgado?

São desinformações, não é bem assim. De fato, o Supremo deve julgar neste ano ainda um processo, que já vem se arrastando há uns 25 anos mais ou menos, que discute a aplicação de uma norma internacional que tem o poder de restringir as dispensas sem justa causa no Brasil.

Como esse julgamento já é tão antigo e agora é possível que ele volte a ser julgado, vieram essas notícias de que o Supremo poderia proibir a dispensa sem justa causa, mas na verdade tem mais detalhes. Não é exatamente isso e a notícia está exagerada.

O que está sendo discutido efetivamente?

A convenção 158 da OIT foi ratificada pelo Brasil e entrou em vigor em 1996. Alguns meses depois, ela foi denunciada pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, de forma que ela só vigorou aqui por alguns meses.

Denunciar é quando o presidente diz que não precisa mais aplicar a convenção?

Exatamente! O presidente disse que não iria mais aplicar a Convenção aqui no Brasil. Isso foi questionado na justiça e o processo está no Supremo Tribunal Federal. A questão é se o presidente teria esse poder de simplesmente denunciar um processo que tramitou no Congresso Nacional, foi aprovado pelo Poder Legislativo, aprovado depois pelo Poder Executivo, tanto que entrou em vigor.

O presidente pode dizer, de repente, que não quer mais? Isso é o que foi questionado no Supremo Tribunal Federal. Inclusive vários ministros já votaram e o processo já tem maioria para decidir que não, o presidente da República não pode sozinho tirar da vigência do país um tratado internacional como é a Convenção 158 da OIT.

Ou seja, concluído o julgamento, é provável que a Convenção voltará a integrar o ordenamento jurídico brasileiro?

Em tese, o Supremo vai dizer que não poderia ter sido feita denúncia da forma como foi feita pelo então presidente. Quais os efeitos dessa decisão e qual vai ser o alcance disso eu não tenho como dizer. Tenho algumas hipóteses do que pode acontecer com o julgamento, mas não posso dizer exatamente o que eles vão dizer.

O que na prática representa a Convenção 158 para o empregador? O que muda no dia a dia?

A Convenção 158 é baseada no princípio da justificativa. Significa que todo empregador tem que dizer porque está dispensando aquele empregado. Costumo dizer nas minhas aulas que o contrato de emprego é semelhante a um casamento. Imagine que você está casado há anos com alguém, está dando o seu melhor e, de repente, essa pessoa chega e fala que não quer mais saber de você e não oferece nenhuma explicação. “Mas por que você está indo embora?”, é a pergunta que se faz.

É isso que acontece no Brasil hoje. O empregador pode simplesmente dispensar o empregado arbitrariamente sem dizer o porquê. A Convenção 158 fala exatamente sobre isso. O empregador tem direito a extinguir o contrato de trabalho, mas deve falar o porquê está fazendo isso. Não precisa ser uma justa causa ou um motivo disciplinar. Não é que só pode ser demitido por justa causa. A própria Convenção 158 fala que esses motivos podem ser em razão do comportamento, desempenho ou mesmo motivos financeiros ou tecnológicos da empresa, por exemplo.

É isso que a Convenção 158 prevê: a obrigatoriedade de dizer o motivo pelo qual o empregador está pondo fim a este “casamento”. A Convenção 158 nunca previu a possibilidade de estabilidade absoluta no emprego.

Na prática o que muda é só a justificativa? Mantém como é feita hoje a demissão por justa causa?

Nesse ponto não existe uma disciplina sobre o assunto. Tem que aguardar o Supremo dizer como será feito. Imagino e espero que seja que a empresa tenha que formalizar o motivo da dispensa. O que é muito parecido com a figura do cipeiro. O empregado que faz parte das comissões internas contra acidente de trabalho não pode ser dispensado arbitrariamente, mas pode ser demitido, não necessariamente, por justa causa. Então, já temos no nosso ordenamento interno uma situação parecida com essa que a Convenção 158 prevê para todos. É possível que utilize por analogia a garantia de emprego do cipeiro.

E se a empresa não quiser mais o funcionário para buscar alguém mais capacitado?

Esses são detalhes bem específicos que a Convenção 158 não traz. Poderá sim ser feita dispensa em razão do comportamento do empregado, pela falta produtividade, mas esse nível de detalhamento eu não saberia dizer exatamente como vai ser. Posso dizer que o que a empresa disser vai ter efeito vinculante. Por exemplo, se falar que está dispensando o empregado porque está em situação financeira ruim, então, quer diminuir os postos de trabalho. Se daqui a uma semana esse empregado verificar que a empresa contratou outra pessoa para aquele mesmo posto, ele vai ter o direito de discutir isso. Se está dispensando porque quer reduzir gastos, por que contratou outro? Não dá para mentir! A empresa terá que fazer isso de forma muito bem comprovada.

Isso é uma tendência no mundo. A gente acha estranho porque está muito acostumado com isso, mas não é uma coisa nova entre os países que se preocupam um pouco mais com os benefícios do empregado.

Tem previsão de conclusão do julgamento?

Acreditamos que isso volte para julgamento neste ano em razão de uma mudança interna no STF, a qual diz que agora os pedidos de vista têm que retornar depois de 90 dias. Neste momento, o processo está em vista com o ministro Gilmar Mendes. Mas é imprevisível. Não dá para dizer que as discussões acabam agora.

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