Imobiliário: Troca do IGP-M para o IPCA nos contratos de aluguel e venda de imóveis

Desde o meio do ano passado, quando houve o agravamento da crise sanitária da covid-19, deu-se o início de uma discussão sobre as consequências jurídico-econômicas em âmbito privado. Naquele momento, diversos setores econômicos se mobilizaram para encontrar uma fórmula possível que permitisse a preservação dos contratos negociados.

No setor imobiliário, diante da paralisação parcial de algumas atividades empresariais e comerciais, os contratos de locação e aquisição foram os protagonistas de discussões para revisão e redução dos valores contratados para aluguéis e parcelas decorrentes de financiamento.

Com o decorrer dos meses e a expansão da crise, os índices econômicos também começaram a ser atingidos. Em junho de 2020, o IGP-M/FGV, principal e mais comum índice utilizado para correção monetária dos contratos imobiliários e que vinha registrando uma média mensal de 0,55%, subiu para 1,56%. Em setembro, a alta continuou e atingiu a marca de 4,34%. Em novembro, a alta percentual foi de 3,28%.

No acumulado do ano, o percentual foi de 21,9682%, o maior índice acumulado desde dezembro de 2002, quando houve o registro de uma variação anual acumulada de 25,31% – o que impactou novamente o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos vigentes.

Este ano, o índice continua instável. Em março, ele subiu 2,94% e chegou ao acumulado de 8,26% no ano e 31,10% nos últimos 12 meses. Apenas para efeito de comparação, houve um acumulado de 6,81% nos últimos 12 meses que antecederam março de 2020.

O aumento do índice contribui com a discussão sobre a necessidade de revisão dos contratos celebrados para alteração do índice estabelecido, aplicando as teorias da imprevisão, caso fortuito e força maior e onerosidade excessiva, previstas no Código Civil Brasileiro. Com a publicação de março, André Braz, coordenador dos Índices de Preços, esclareceu que todos os índices que compõem o IGP-M tiveram aumento2:

Diante deste cenário de grande instabilidade, deu-se início a conflitos e ações judiciais em que se busca substituir o indicador do IGP-M/DI pelo IPCA – índice oficial utilizado pelo Governo Federal para calcular metas de inflação e alterações na taxa de juros, medido pela variação de nove categorias de preços de produtos e serviços, que refletem os hábitos de consumo.

Das existentes análises judiciais, a maioria ainda em sede de liminar, é possível perceber que não há jurisprudência pacífica. Verificadas seis decisões publicadas no estado de São Paulo, quatro concederam liminar aos requerentes para substituição do índice IGP-M/DI para IPCA, e outras duas negaram o pedido. No Rio Grande do Sul, o Tribunal suspendeu5 uma decisão de primeiro grau que concedeu a modificação do índice. Já em Goiânia-GO, uma recente decisão da 3ª Vara Cível deferiu6 a tutela de urgência para revisar provisoriamente o reajuste do aluguel com base no percentual de 7%, que corresponde a um pouco mais do valor acumulado durante o ano de 2019 para o IGP-DI.

O fundamento do pedido para substituição do IGP-M/DI passa pela explicação de sua composição, que corresponde a uma média ponderada aritmética entre os índices IPA (produtor), IPC (consumidor) e INCC (construção civil), que estão ligados aos preços das produções de matérias-primas, agronegócio, materiais de construção e commodities do setor industrial, que sofrem forte influência do dólar, se propondo a avaliar o cenário de inflação. E por consequência da pandemia houve uma desvalorização do real e alta do dólar, além da falta de matéria-prima para o setor industrial que acabou elevando os preços dos insumos, o que conjuntamente influenciou diretamente no aumento extraordinário do IGP-M/DI.

Diante desta realidade superveniente, sustenta-se a aplicação da teoria da imprevisão, prevista no artigo 317 do Código Civil, para justificar o pedido judicial de revisão contratual para substituição do índice, na medida em que o reajuste integral do IGP-M/DI, neste momento, não representa mera reposição da moeda e causa distorção em relação ao poder de compra, evidenciando flagrante onerosidade excessiva para uma das partes – artigo 478 do Código Civil, em razão de mudanças ocorridas após a negociação inicial, alterando consequentemente a base econômica do contrato.

Por outro lado, utilizando-se do mesmo fundamento, é possível compreender que o desequilíbrio causado pela imprevisível crise sanitária – afastada a culpa por inadimplemento – pode atingir ambas as partes da relação, não devendo incumbir o ônus total à apenas uma delas, sob pena de novamente desequilibrar as relações contratuais. Ademais, sustenta-se ainda o perigo de interpretação relativa do princípio da autonomia da vontade privada e do pacta sunt servanda, principais regramento do direito contratual privado, que autorizam e obrigam as partes a regularem e cumprirem os seus interesses por intermédio do contrato, prevendo a interferência judicial do Estado apenas para assegurar o cumprimento do quanto prometido, limitando-se a uma posição supletiva em relação ao conteúdo contratado.

Percebe-se, então, que apesar de previstos na legislação e doutrina, os fatos supervenientes, fortuitos e de força maior quando aplicados à realidade fática de crise econômica não alcançam, por si só, o poder de solução ideal e equilibrada para os contratantes, dependendo de ajustes negociais e, eventualmente, intervenção judicial.

Além disso, diante desta realidade e buscando soluções viáveis, verificamos que nos casos judicializados e nos inúmeros contratos locação impactados com o aumento do IGP-M/DI, não previam a necessidade ou mesmo a definição de um ambiente de negociação prévia a um embate judicial, o que poderia não apenas preservar as relações locatícias e negociais, mas também evitar a intervenção judicial e os enormes custos e insegurança jurídica dessas relações.

Nesta esteira, a lei da mediação (lei 13.140/15) prevê a possibilidade de as partes inserir nos contratos de locação cláusulas contratuais prevendo expressamente a mediação extrajudicial em caso de qualquer conflito, cláusula esta que deve ser respeitada pelo Judiciário caso algum dos contratantes tente ignorar esta disposição e iniciar um procedimento judicial ou arbitral (caso exista) sem a mediação prévia. A lei ainda traz outras vantagens, como possibilidade de confidencialidade das negociações e princípios a busca pelo consenso e isonomia entre as partes.

Vale lembrar que na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação, mas não são obrigadas a permanecer em procedimento de mediação, o que não retira a possibilidade de eventual análise do conflito pelo Poder Judiciário. Nossa experiência e parceria com Câmaras de Mediação devidamente homologadas pelos Tribunais, mostram as vantagens destas cláusulas e temos orientado nossos clientes neste sentido.

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